sexta-feira, 19 de agosto de 2016

          Tudo começou quando, numa Escola pública fui solicitado a dar aula de Educação Artística para completar minha carga horária.
          Olhei para aquela turma de 9º ano, quase analfabeta e fiquei a pensar o que eu poderia ensinar em artes. Nunca trabalhei com artesanato, desenho, pintura, trabalhos manuais. O que fazer pela turma?
          Surgiu-me então a ideia de trabalhar com as palavras, contribuindo assim com a alfabetização dos alunos.
          Apresentei à turma, os sinônimos, as rimas, a métrica. Estudamos letras de músicas conhecidas. E, então, na semana da pátria, lembrei-me do Hino Nacional e suas complicações.
          A galera relacionou as palavras pra eles desconhecidas do Hino (quase todas) e fomos ao dicionário. Cada um buscando conhecer melhor as suas.
          As dificuldades eram grandes para eles. Buscavam plácidas, fúlgidos, fulguras e não encontravam. E foram descobrindo que naquele livrão os substantivos estão no masculino, singular; que os verbos estão no infinitivo, etc. E o pior: não sabiam o que é um substantivo, um verbo e muito menos um infinitivo.
          No final da pesquisa vem a mim uma guria que disse não encontrar a palavra solesmãe. E qual não foi sua tristeza em saber que essa palavra não existe. 
          A menina considerava essa palavra "fofa", "gostosa de falar", "com música". Pra ela, o Brasil é pai. Solesmãe era a poesia encantada do Hino, que podia ser qualquer coisa muito além do que ela pudesse imaginar.
          Eu é que jamais tinha imaginado que uma filha deste solo pudesse criar mentalmente uma palavra para cantar a sua pátria que nunca foi para ela uma mãe, exatamente.
          E toda vez que ouço as notícias, vejo as estatísticas e observo o descaso com que o poder público trata a educação, sinto ainda doer o estômago com o soco que recebi daquele solesmãe.